Árvores jovens de fícus ao lado e ao fundo da Matriz
_topiadas em trapézios _lembrando a forma de um abajur _anos 50
Nos anos 60, as árvores de fícus,
já estavam com quase meio século de vida. Pra quem viveu nessa época é bom lembrá-las,
além de suas frondosas sombras. Quando recém podadas, era possível admirar a
forma que as copas tomavam, ora cilíndricas, ora retangulares, ora em trapézio,
lembrando a forma de um abajur; aproximando mais, podia-se conferir a
habilidade de topiaria do jardineiro ouvindo o som do corte de sua tesoura
junto à escada, diariamente. Era possível ouvir alguém dizendo: nunca tinha
visto nada tão bonito enfeitando as praças. Era mesmo muito bom de olhar, a todo
o conjunto harmonioso das árvores de arestas bem aparadas dominando a praça,
acompanhadas de ciprestes e palmeiras. Quando seus frutos
caíam, aquelas bolinhas amarelas quase secas se espalhavam pelo passeio da
praça, e propositadamente, os jovens passantes pisavam sobre elas, como
brincadeira de criança, somente para ouvir seus estalos ocos e crocantes, uma
sensação lúdica inesquecível. É de todo verdade, que não foram
momentos, foram anos de convivência pacífica com os fícus, até que chegaram as
‘lacerdinhas’.

As lacerdinhas [adultos
(pretos), ninfas (amareladas) e ovos (brancos)] se alojavam no interior das
folhas novas dos fícus
Tamanho das lacerdinhas _poucos milímetros
A praga que veio de longe
Um pequeno inseto, com 2 a 3
milímetros de comprimento, conhecido como tripes G. Figorum desembarcou no Brasil, provavelmente em mudas contaminadas,
bem no início dos anos 60. E a partir dessa época, foram se proliferando pelos logradouros públicos
da cidade portuária do Rio de Janeiro, onde crescia um grande número de árvores
adultas de Fícus microcarpa. Ano a
ano, a praga foi se alastrando, por onde encontrava seu hospedeiro preferido, de
norte a sul do país.
Nessa época, no Rio de Janeiro, o tripes ganhou o apelido de ‘lacerdinha’,
uma sátira ao político Carlos Lacerda que então governava o Estado da Guanabara
(1960-65) e o apelido pegou. Pegou tanto que popularmente o Fícus microcarpa é hoje conhecido como:
árvore-lacerdinha, fícus-lacerdinha ou figueira-lacerdinha. O apelido também é
bastante citado na internet, inclusive em sites estrangeiros e até mesmo em livros
científicos como nome popular, tanto para planta como para sua praga, o tripes G. Figorum.
Assim se pode ler sobre a lacerdinha: Nome popular de um tripes fitófago,
Gnaykothripos Figorum (Marshal), introduzido no Brasil e que causa deformações,
enrolamento e queda das folhas do gênero Fícus pela injeção de toxinas. Nas
horas quentes do dias, os adultos mostram muita atividade voando em torno da
árvore. Protegem-se no interior das folhas, junto com as formas jovens, por
ocasião das chuvas e durante a noite. Bibliografia. Gallo, Et al. Manual de
Entomologia Agrícola. São Paulo. Editora Ceres. 1988, 649 p.
Começava então, uma luta
biológica entre o gigante fícus e seu inimigo e hospedeiro favorito, o pequeno
tripes, ávido pra se proliferar. Uma
vez instaladas, as lacerdinhas foram pouco a pouco formando colônias,
infestando as folhas novas dos fícus, que uma vez danificadas, caíam comprometendo
progressivamente, a saúde das árvores.
Folhas de F. Microcarpa atacadas por lacerdinhas
A praga e os guaracienses
No final dos anos 60, quem
passou sob as copas dos fícus e foi atingido nos olhos por uma lacerdinha, não
se esquece. Ardia como pimenta. E o pedido imediato era uma só voz: tira isso,
tira isso! Lá, no cantinho do olho! Uma hora de ardência lavando os olhos em
água corrente para aliviar a dor. Muitas vezes picavam também a pele
das pessoas. Com isso, o simples transitar pela praça já requeria atenção com as
árvores atacadas. As lacerdinhas, quase imperceptíveis de tão pequenas, voavam
e plainavam por todos os lados de uma planta, ao sabor do vento. Às vezes, se podia antecipar
a fuga do local, observando se havia alguma delas presa à roupa. No auge da
infestação, até mesmo percorrer as ruas de bicicleta no entorno da praça,
merecia cuidado, porque de repente, elas apareciam como nuvens e podiam colar no
olho de alguém que por ali, por acaso, passasse.
Enfim, todas as árvores de fícus
foram atacadas perdendo sua cor e brilho. A beleza de suas formas aparadas se
transformaram num emaranhado de pontas dispersas. A comunidade, não se
conformando mais, começou a pedir que derrubassem as árvores da praça pra se
livrarem da praga. Não havia outra solução. E assim foi feito, o prefeito tomou
a medida certa, e ordenou que literalmente, o mal fosse cortado pela raiz. Sobrou
a saudade das velhas árvores de fícus bem
aparadas pelo belo
trabalho dos nossos habilidosos jardineiros!
De repente, do meio do povo, saiu
um grito preso na garganta:
Morte aos malditos fícus! Viva o
machado libertador desta praga!
Referências:
¹ Bosque das figueiras _veja no
link abaixo, na Página 10
Veja mais sobre ‘O paisagista do Império’, aqui:
Ficus benjamina: ele é um perigo!
Livro: Figueiras no Brasil - Jorge Pedro Pereira Carauta
& B. Ernani Diaz - Editora: UFRJ
Ficus microcarpa foi descrito por Carl Linnaeus, o
filho, e publicado em Supplementum Plantarum 442. 1781 [1782]. O epíteto latino
_microcarpa _significa ‘com pequenas sementes’.
A espécie Ficus
microcarpa, tem sinonímias (outros nomes científicos): Ficus aggregata Vahl., Ficus condaravia Buch.-Ham., Ficus littoralis
Blume., Urostigma amblyphyllum Miq., Urostigma microcarpum (L. f.) Miq.., entre
outros. Além da sinonímia, há também outras variedades de Fícus microcarpa.
Alguns nomes populares do Fícus microcarpa no mundo: Figueira-lacerdinha, Laurel-da-índia,
Laurel-de-indias, Baniano-chino, Yucateco, Baniano-malayo, Laurel-indio , Higuera-cortina.
O F. microcarpa
foi muito utilizado na arborização de ruas, praças e em cercas-vivas de antigos
palacetes e prédios públicos na primeira metade do século passado na cidade de
São Paulo.
O F. microcarpa
também é popular entre os entusiastas de bonsai.
Há muitas espécies do gênero Fícus no mundo, algo em torno
de 750. No Brasil, há algumas dezenas de plantas nativas do mesmo gênero, porém
são desconhecidas da maioria da população. São cultivadas somente as figueiras
de valor econômico da espécie Ficus
carica (comestíveis), e entre as ornamentais, as mais comuns são as
exóticas (de origem asiática): ficus (Ficus
benjamina), figueira-lacerdinha (Ficus
microcarpa) e a enorme falsa-seringueira (Ficus elastica). Veja mais:
Hoje se pode ler sobre Fícus Microcarpa: Planta difundida por todo o cinturão
tropical da Terra como espécie de arborização pública (Mello Filho et al.
1983). É uma das espécies de figueiras mais cultivadas no Brasil e no mundo
(Carauta & Diaz 2002).
Mas, também, pode-se ler: uma espécie
popular do passado!; e nas orientações de arborização urbana que se espalha por todo o
Brasil: proibido o plantio de todas as espécies de Fícus! (aqui
mais por razões da agressividade de suas raízes, principalmente pelas espécies Fícus Benjamina e Fícus Elástica, que
destroem pavimentos, alicerces, encanamentos, etc.).
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